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Having Words, 4º volume da colecção AA Words editada pela Architectural Association, primeira antologia de Denise Scott Brown, reúne 12 ensaios, escritos entre 1967 e 2009, que ilustram as suas ideias-chave sobre arquitectura e urbanismo, e a riqueza da sua produção e inquietude teóricas ao longo de cerca de 40 anos.
     A arquitectura do livro, o seu formato e apresentação, são tão importantes quanto o próprio conteúdo. A sequência de textos não segue nenhuma organização específica, temática ou cronológica, permitindo a sua leitura como uma “colagem”, numa aparente desordem que demonstra o desejo de evitar classificações redutoras que caracterizam muitas vezes este tipo de compilações.
     O título presta-se a múltiplas interpretações: pode ser lido como uma pretensa afirmação de autoridade teórica de quem se assume “como uma avó da arquitectura” (p. 156); pode sugerir a possibilidade das palavras serem utilizadas como instrumentos de projecto; pode relacionar-se com a sua visão iconoclasta da arquitectura e o seu interesse pelo design gráfico; ou, ainda, entender--se enquanto argumento contra a ideia de que a sua obra é anti-espacial, que pretere o espaço, o processo ou a forma em favor da imagem. O título é intrigante e figurativo, já que remete para uma série de relações com a sua personalidade e obra, nomeadamente para o seu entendimento do mundo como “complexo e contraditório”. “Words about Architecture”, único texto escrito propositadamente para esta publicação, reflecte sobre o acto de escrever sobre arquitectura como uma forma de investigação e de produção de ideias. A ausência de imagens é justificada pelo desejo de que essas palavras sejam “convincentes e gráficas” (p. 4) para as dispensar, por oposição a uma cultura contemporânea dominada pela imagem. Esta consciência da linguagem – simultaneamente veículo de aprendizagem e “material de construção”, como aponta Brett Steele –, bem como o fascínio pela capacidade dicotómica das palavras, demonstra a relação da sua obra escrita com a sua obra desenhada e construída.
     “Invention and Tradition” e “Towards an Active Socioplastics” permitem compreender o carácter multidimensional da autora, fruto do seu longo percurso que se fez entre três continentes (África, Europa e América) fazendo confluir distintas sensibilidades, culturas e experiências numa personagem verdadeiramente única. A experiência do apartheid, uma sociedade multi-racial e multicultural que, tendo recebido inúmeros refugiados do Nazismo, se tornou num símbolo segregacionista, e o seu interesse na relação entre as Ciências Sociais e Humanas e a Cidade, marcou o seu entendimento de quão plurais podem ser as visões e a construção de diferentes realidades a partir de uma única, e de que modo a apreensão do espaço é afectada por aquilo que nos é simultaneamente familiar e desconhecido.
     O texto “On Pop Art, Permissiveness and Planning”, inicia-se com uma declaração sobre a importância de uma atitude livre de juízos prévios sobre aquilo que é bom ou mau, o mesmo acontecendo em “On Formal Analysis as Design Research” – teoria que aplica a todos os fenómenos urbanos recentes, sejam eles de dispersão ou de compactação, de crescimento formal ou informal. É esta maneira criativa e não engajada de olhar as cidades, quer do ponto de vista arquitectónico e urbanístico, quer económico ou social, que a autora considera ser o modo de lidar com todos os seus aspectos, incomensuráveis, bem como mensuráveis, fazendo-os convergir numa síntese complexa, heterogénea e plural que o animal ficcionado de Lewis Carrol em The Hounding of the Snark, serve para reclamar.
     Estes ensaios revelam-se extremamente pertinentes no contexto da crescente atenção dirigida à arquitectura e a cidades da África lusófona, pois veiculam uma visão alternativa à do colonizador ou do europeu, à procura de identidade, que propõe o entendimento, livre de constrangimentos, da paisagem, e do modo e razões que conduziram a reapropriações, mutações e distorções tipológicas. Como diria Marcel Proust “a única verdadeira viagem de descoberta [...] não seria a de visitar terras estranhas, mas possuir outros olhos”, captando assim o seu potencial para transformação e reinvenção e, neste sentido, funcionar como um importante catalisador.
     O livro adquire ainda especial relevância num momento de reestruturação dos cursos de Arquitectura de acordo com o novo paradigma de Bolonha, pois demonstra a possibilidade de relação íntima entre Arquitectura, Urbanismo e Planeamento, bem como entre prática, ensino e investigação. Deste modo, não poderia deixar de ser mais expressivo o termo “mini-university” (p. 46) que Denise emprega para descrever a base intelectual e artística que serve de suporte à sua prática profissional. Por último, demonstra de que forma o nosso ensino pode, definitivamente, romper com a tradição beaux-arts e constituir-se como um quartel de discussão e produção de novas ideias, através de investigação teórica e prática, com repercussões na sociedade civil.
     Recentemente considerada por Martin Filler, crítico do The New York Review of Books, como “The World’s Foremost Female Architect”, o elogio não poderia ter ignorado “Sexism and the Star System” de forma mais desastrada. Denise não é, nem deseja ser, catalogável, pertencendo ao exclusivo universo daqueles cuja obra se constitui, no seu todo, como um projecto de reflexão e investigação, uma tese cujo argumento se vai construindo, questionando, desmontando e voltando a construir. “Learning from...”, expressão que surge diversas vezes ao longo do livro, apesar de associada à obra seminal Learning from Las Vegas, escrita com Venturi e Steven Izenour, resume uma vida inteira e forma de estar perante a Arquitectura. Representa um posicionamento sobre aprender através do desenho e da escrita, de projectos específicos e fictícios, do trabalho de atelier e do trabalho com os alunos, pois a “fantasia pode ser profética” como refere em “The Making of an Eclectic”.
     A “architectural window” (p. 154) de Denise continua a ser a de uma vista desafogada, desobstruída, infinita, que este livro nos permite, a cada novo olhar, descobrir.|


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